JORNAL 3 DE MARÇO - Opinião
UMA HISTÓRIA DE CAÇA
Leiam que vale a pena
Foi no dia 1 de Outubro que houve mais uma abertura de caça. Eu, caçador de quatro ou cinco costados, lá fui dar ao gatilho. Sim, porque eu gosto muito de fazer pum... pum... pum por da cá aquela palha. Só me chateia ter de esperar pelas épocas de caça para pôr a minha escrita em dia e ver como está a pontaria. Sim porque isto de atirar, tem dias.
Pronto, logo no primeiro de Outubro lá fui eu todo artilhado, no encalço de animais que estivessem mais distraídos. Ainda o sol não tinha dado à estampa e eu já estava de arma apontada para uns arbustos que tremiam como varas verdes. Pum e pum, foram logo duas peças de caça que eu mandei abaixo. Esta caça, que é da grossa, que é da boa, foi logo depositada na minha ampla carrinha. Estive para trazer comigo uma camioneta de carga, mas também não exageremos.
Andei, não foram muitos metros e já via em duplicado outra vez. E de novo dois animais, estes dormiam encostados, descansados e sossegados. “Meu caros amigos, dormir só na Assembleia da República”, por isso mais dois tiros soaram naquele imenso espaço que parecia ter sido feito só para mim, caçador inteligente à caça de caça que enchesse o olho.
Atravessei um rio de poucas profundezas e, ao chegar à outra margem logo tive mais um pretexto para carregar no gatilhame. Paciência, não foi logo à primeira, mas este bicho teve que levar segunda dose, para esticar o pernil.
E a tarde continuou, não sem eu ter dado mais meia dúzia de tiros e ter com isso abatido mais algumas peças de caça, pouco me importando com os ecossistemas, com os animais que em vias de extinção, ou com as zonas mais ou menos protegidas.
Regressei a casa com a carrinha derreada com o peso de tanta caça. E aquilo que eu mais queria era examinar aquelas espécimes, era fazer um balanço à produção daquela jornada.
Mandei um olhar no geral e cheguei à conclusão que valeu a pena ter descido e subido montes e vales, atravessado rio e ribeiros. Estava ali a fina flor da caçaria. Então vejamos:
A primeira peça de caça que identifiquei foi um professor. Revistei-lhe os bolsos todos e dei com um folheto em que dizia em letras gordas: “como chegar ao escalão 10, com uma perna às costas para ter um vencimento de 500 contos.
À segunda peça saiu-me um juiz, que trazia consigo um estrato da sua conta bancária, que incluía o subsídio de residência (independentemente de ter casa própria ou não) no valor de 150 contos mensais.
Seguiu-se depois um presidente de câmara. Era um autarca que trazia na sua pasta um contrato programa para assinar, em que previa a atribuição de uma avultada verba para o futebol clube da sua terra.
Também cacei um assessor. Este pelos documentos que possuía, assessorava uma cadeira, uma secretária, um computador em troca de 300 contos e longas horas sem fazer nenhum.
Depois dei com os olhos numa outra peça de caça bastante vistosa. Tinha uma lindíssima gravata no pescoço, e nas mãos um itinerário pormenorizado de um passeio a Fátima, só para idosos carenciados.
Mas havia mais. Havia um director de um jornal diário, que trazia debaixo do braço um estudo sobre as mil e uma maneiras de ver Bush como o salvador do Mundo; um deputado da Assembleia da República que trazia ainda consigo os bilhetes carimbados com ida e volta de avião, em serviço do país, para ver a selecção portuguesa de futebol na Alemanha; e até um administrador de uma empresa pública, que tinha como companhia um volumoso manual técnico-científico, que fornecia pistas de gestão para melhor gerir o seu vencimento, o carro do estado, o seu motorista e os seu longos almoços e jantares de inauguração, de homenagem, de confraternização, de aniversário ou de angariação de fundos para a paróquia mais próxima.
Ou seja: no primeiro de Outubro fui à caça e valeu a pena, porque a caçada foi bela e não pequena .
Um coelho devidamente identificado
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