12 fevereiro, 2007

UM SIM MUITO FRÁGIL


Pronto. O referendo deu o que já se esperava. Ganhou o sim com todas as letras. Que são só três. Tantas quantas tem a palavra não, que neste referendo rimava com a palavra mãe.
Mas é um sim muito frágil, porque com uma abstenção destas (quase cinco milhões de eleitores não foram às urnas), ficamos sem saber verdadeiramente se o povo português, é ou não a favor da despenalização do aborto.

Pela parte que me toca, eu perdi esta eleição. É mais uma eleição perdida no meu currículo de eleitor. Eu perco as eleições quase todas. Sou portanto um perdedor. Mas sou um perdedor de eleições de consciência tranquila. Estou sempre de bem com o meu travesseiro.

Eu votei não. E votei muito bem. Só que por causa disso levei por tabela. Durante a semana que antecedeu o acto eleitoral, caíram-me em cima como hienas aos restos de uma carcaça. Chamaram-me burro, atrasado mental, disseram-me que eu tinha um trauma qualquer e o cérebro do tamanho de uma ervilha. Pouco faltou para me darem com uma cadeira no e do Café da Sociedade pela cabeça abaixo, só porque eu disse que ia votar contrariamente ao que era suposto.

Já na última sessão da Assembleia Municipal de Penafiel, aconteceu algo parecido. A deputada municipal afecta à coligação de direita, Solange Rodrigues, na sua intervenção, disse umas coisas sobre o mesmo assunto. Adrião Cunha e André Ferreira, como que picados por alguma abelha, saltaram logo em cima da jovem, como se ela tivesse dito alguma barbaridade. Mais. Algumas mentes iluminadas até dizem que o texto que Solange leu, não foi escrito por ela, mas por alguém que não podia usar da palavra. Francamente. O que é que tem isso de mais?
Solange disse o que tinha para dizer. Tinha o direito de o fazer. Ou não tinha? Despenalizar ou liberalizar o aborto, eis a questão. Se para ela despenalizar é liberalizar, está no seu direito de assim entender. E se ela pensa assim, olhem, eu também penso, apesar de estar ideologicamente nos antípodas dela. Qual é o problema? A oposição (socialista) que guarde as garras para outras presas. Na altura da votação do novo PDM, onde estava tanta energia?

Ao votar na despenalização, os eleitores liberalizaram o aborto até às dez semanas. Isto não é liberalização? Então o que é? Se calhar liberalização do aborto só o é, quando feito a partir das dez semanas e um dia? Tenham paciência.

Eu votei não e não me preocupei nada se nesta matéria estamos na cauda da Europa, juntamente com Malta, Polónia e Irlanda. Não me preocupei e não me preocupo, porque foi isto que “vomitaram” sobre mim, os arautos do desenvolvimento do nosso país. Mas, se eu levantar problemas como os altos índices de iliteracia, da elevada taxa de abandono e insucesso escolares, dos mais baixos salários europeus, que temos os combustíveis e a energia mais caros da Europa, que somos os campeões em acidentes de trabalho e violência doméstica, já assobiam para o lado, como se a conversa não fosse nada com eles.

Eu votei não. Tendo votado não, eu apostei na continuidade deste pedaço de terra que D. Afonso Henriques fundou há séculos atrás. Tendo votado não, eu apostei em abortar este lento processo de envelhecimento de Portugal. Tendo votado não, eu fiz questão de retirar todos os pretextos ao arrogante Sócrates, de ir fechando lenta e gradualmente este país. Tendo votado não , eu apostei nas pessoas, apostei nos direitos humanos, apostei em valores cada vez mais ausentes. Tendo votado não, eu apostei naquilo que está à vista de toda a gente, que é isto: Como se pode impedir que nasçam crianças, quando neste país há tantos casais que não podem ter nenhuma? Como se pode evitar “putos”, quando há gente que corre mares e marés para adoptar um que seja?

Se eu tivesse votado sim, estaria a dizer não àquilo que o nosso Estado devia fazer nesta matéria, que era ajudar financeiramente casais com dificuldades em ter filhos, drama que afecta muito mais milhares de portugueses que o aborto, para toda a vida. As pessoas que votaram sim, se calhar não sabem que o Estado português não paga os tratamentos de infertilidade que custam quatro a cinco mil euros numa clínica privada, ao contrário de Espanha, em que o Estado espanhol paga a totalidade dos gastos de três intervenções in vitro por casal.

Termino recorrendo a Pier Paolo Pasolini, poeta e cineasta italiano, homem de esquerda, herói anti-sistema, que escreveu nos anos setenta uma série de textos atacando frontalmente o aborto. Não era conservador, não era da Igreja, não era tradicionalista. Estava no campo oposto. Era um homem de cultura e gostava muito da vida, da vida toda, de todas as vidas, desde o princípio.
O autor de filmes como “Noites de Cabíria” e “Decameron”, disse um dia: “estou traumatizado pela legalização do aborto, porque a considero uma legalização do homicídio. A este propósito, tenho coisas urgentes a dizer: que a vida é sagrada e que é um princípio ainda mais forte do que qualquer princípio de democracia”.

Uma nota final, para repudiar a primeira página altamente tendenciosa, da edição de 8/02/07 de um jornal desta região. Não é jornalismo independente, é jornalismo rasca. Mas atenção, se a palavra lá estampada, fosse o seu contrário, era ver uma certa esquerda de meia tigela a assanhar-se toda. É tudo bons rapazes...

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