07 agosto, 2006

O pescador lingrinhas

Um dia destes fui até Entre-os Rios ver os pescadores a pescar. Estavam lá muitos. Até gajas de cana na mão á pesca lá estavam. E eu, de mãos nos quadris, assim pensei: “tanta gente a entreter-se matando a natureza por desporto. Tanta gente atentando contra a vida de outros só para passar o tempo. Pelo menos é o que eles dizem: só para passar o tempo.”

Sentei-me na margem do rio e à sombra, porque o sol não pedia licença para me azucrinar a cabeça. Pus-me a olhar para um pescador ali perto. Passada que foi mais ou menos meia hora, eis que a cana de pesca começa a tremer. Peixe à vista. Uma boa carpa deu à costa presa por um fio, a debater-se procurando a todo transe libertar-se sem o conseguir.
O pescador era um lingrinhas. Tão lingrinhas, tão lingrinhas, que um dia se lhe aparecer no anzol uma carpa maior que aquela que eu vi a debater-se pela sua liberdade, ela, a carpa, dá-lhe nas trombas de certeza. Havia de ser bonito.

Mas como se não bastasse, o puto do lingrinhas, depois de tirar a carpa do anzol, pegou nela e meteu-a num saco de rede junto com a outra pescaria, voltando a coloca-lo dentro de água preso por um fio a uma pedra que estava na margem. O puto do lingrinhas para além de pescador, era torturador. Então depois de tirar o peixe da água, do seu habitat, do seu remanso, depois de nas calmas, lhe tirar o objecto assassino da boca, não é que o meteu de novo na água, mas de maneira que o peixe não pôde ir à sua vida. Às tantas este gajo já foi da pide.

O gajo era de facto um lingrinhas. Era magrito. Amarelo. Corpo enfezado. Cara de fome. Via-se que era um pelém do caraças. Se calhar foi pescar, não para se entreter, mas para depois comer. As várias carpas foram para forrar o seu depauperado estômago, coitado. Coitado do lingrinhas. Ele até pode ser um dos 200 mil portugueses que actualmente passam fome.

Fui embora logo a seguir. Não estava para ser espectador de um filme que atenta contra a minha formação, contra a minha sensibilidade, contra a minha maneira de estar na vida.

Para terminar, só me resta dizer que daqui a bocado vou comer um arroz de tomates com umas sardinhas fritas de se lhe tirar o chapéu. Só que este peixe não foi pescado na desportiva, nem por alguém que apenas se pretendia entreter. Por isso vai-me saber bem com certeza, porque aqui não há remorsos que me tirem o apetite.

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