30 julho, 2008

A ESCRVA DE CÓRDOVA - capítulo V

Cultura e Sensibilidade

Não queria trazer para aqui um velho ditado: “Uma no cravo, outra na ferradura”. Mas é o que acontece com muitos artistas: escritores, poetas, pintores, jornalistas que, detentores de uma vasta cultura, de uma sensibilidade apuradíssima, descambam por aí abaixo com uma facilidade atroz.

Recuso-me a ver em Alberto Santos o que vejo em muitos artistas e intelectuais. Por exemplo: Francisco José Viegas que é um óptimo escritor, logo é uma pessoa culta, de uma enorme sensibilidade e depois é capaz de evidenciar a maior grosseria apoiando a invasão do Iraque pelas tropas americanas, e de estar do lado de Israel, do lado das forças ocupantes na região palestiniana. Não dá para entender.

O mesmo se passa com Vasco Graça Moura, um homem que tem uma vida literária de enorme valor, logo detentor de uns horizontes largos e profundos, mas que não obstaram a que andasse rotular de “garatujas” as gravuras rupestres de Vila Nova de Foz Côa, que são Património Mundial, de chamar “canalha” aos trabalhadores da Marinha Grande, “ralé” aos veraneantes da praia de Leça e por aí fora. Não faz sentido. Não diz a cara com a careta. Não posso conceber estas contradições.

Ainda poderia falar aqui de Manuel Alegre, que é um poeta de categoria, mas que gosta de dar ao gatilho nos animais e ver sangue a escorrer nas arenas.

De Miguel Torga, que é capaz de construir um poema tendo como musa de inspiração uma ave agonizante, a esvair-se em sangue, depois de uma chumbada executada por ele próprio, num dia de caça.

Podia falar ainda de Pacheco Pereira que tem 100 mil volumes nas suas estantes, que escreve muito, devora livros sobre livros e é capaz de se enganar (também foi embrulhado) na questão das armas de destruição maciça no berço da mundialidade cultural. Francamente. Não podemos, não devemos trilhar esses caminhos.

Neste lote não posso incluir, por exemplo Mia Couto, que todos nós sabemos de quem se trata. Este escritor moçambicano, que já esteve em Penafiel, é das melhores “coisas” a escrever em português. Para além de nos receitar “Venenos de Deus, Remédios do Diabo”, foi, é, de uma coerência político-cultural que tenho todo o gosto em assinalar. Basta ler uma “Carta a Bush”, publicada há tempos no JN, sobre a invasão do Iraque, que é sem dúvida o melhor texto, dos milhares e milhares que eu tive oportunidade de ler.
Ainda há muita gente coerente.

(De Mia Couto, um dia destes vou escrever umas coisas muito giras. Aguardem. Descobri que temos algo em comum. Depois eu explico).

Como disse e volto a referir, um artista, seja em que modalidade faça arte, tem a obrigação de interpretar, de interagir com o espaço que o rodeia de acordo com a sua estrutura cultural.
A filosofia diz que os corpos têm tendência para o equilíbrio, por isso se procuram. Ora aqui está uma boa razão para procurarmos ser equilibrados.

E é isto que eu queria que acontecesse entre o escritor Alberto Santos e o nosso presidente da Câmara. Serem um para o outro.
Uma pessoa que escreve, seja poesia, romance, conto ou novela, é uma pessoa de cultura, é detentor de atributos que lhe dão a possibilidade de ver mais e melhor, especialmente melhor. Uma pessoa de cultura e sensibilidade, não deve, não pode trocar a alma pelo corpo, o conteúdo pela forma, a essência pela matéria.


(conclusão dia 01/08/08)

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