“TADINHOS” DOS PROFESSORES
carta aberta ao professor António França
Há tempos, um ex-professor, do alto da sua reforma milionária (digo milionária porque quem paga dez mil euros de IRS por ano, só pode estar a receber uma valente reforma), dizia que neste país há muita gente invejosa, que passa a vida a dizer mal de tudo e de todos, e que os pobres são pobres porque querem, que nada fizeram para não o serem.
Agora, um dia destes, numa conversa de café, o professor António França por quem nutro uma grande admiração e solidifico dia a dia uma amizade recente, disse a mesma coisa. Disse alto e bom som que esta gente do norte era cheia de inveja. Inveja esta que tinha a ver com os salários que os professores auferem.
Eu fiquei siderado com tal afirmação. Aliás logo na altura lhe fiz ver o meu desacordo. O que eu não sabia era que a malta do norte era assim tão invejosa.
Ó engenheiro António França, isto nem parece conversa de professores (havia mais um professor na nossa mesa). Isto nem parece conversa de gente que é suposto ter mais uns grãos de cultura acima do comum cidadão. E depois, o Sr. fala das pessoas do norte com tal desprezo, que nem parece ser natural de uma cidade do norte. Se acha que os nortenhos são assim tão mauzinhos, porque não vai dar aulas para o Alentejo ou para o Algarve? Pode ser que os sulistas não sofram dessa síndrome. Está à espera de quê. Força professor França, bora daí...
Olhe professor António França, sabe quem disse também que os portugueses são uma cambada de invejosos? Foi o supra sumo do jornalismo que é director do “Público”. Você sabe de quem estou a falar. Veja lá a comparação que eu lhe estou a fazer. Agora sou a ser um tanto mauzinho.
O que não sabia era que você sentia aversão por pessoas que falam “axim” , que dizem “carago”, que escrevem ao “bento” e bebem “binho”. Se gosta mais de água-pé, marche por aí abaixo.
Depois, e agora generalizando um pouco ao encontro dos professores em geral, onde eles “martelam” com mais insistência é na reivindicação constante e abusiva do estatuto de grandes trabalhadores e grandes sacrificados. Que passaram as passas do Algarve, para chegarem onde chegaram. Que andaram de saco à tiracolo, com ares de andarilho por terra e mares nunca dantes explorados. Aqui eu fico a meditar “carago, o que eles passaram, o que eles trabalharam coitados, para chegarem a profes”.
Mas eu pergunto, se os professores sabem o que é trabalhar antes de chegarem a ser gente crescida? Enquanto eles estudaram, os outros, os que hoje não são, ou não foram professores, fizeram o quê? Na sua ideia, nós os não profes, andamos a coçar o cu das calças pelos cafés. Está redondamente enganado.
Olhe, professor António França, muita gente como eu, começou a trabalhar aos dez anos, fazendo-o até aos vinte numa primeira fase, porque a tropa estava ali perto, trabalhando 14, 15 e mais horas por dia, sem ganhar nada. Quanto muito dez reis de mel coado. Os senhores professores sabem o que é trabalhar tantas horas e não ver a cor do dinheiro? Claro que não sabem, porque não passaram por isso.
Professor António França, professores em geral, eu fiz alguns estudos (Curso Complementar Geral Liceal) já adulto, à noite depois de exercer a minha actividade profissional durante o dia. Portanto passaram por mim muitos professores. Sabem qual é o balanço que eu faço que faço destes profissionais do ensino? NEGATIVO.
O que eles percebiam era de absentismo e de exercer muito bem uma disciplina que se chamava “deixa andar”. Conheci vários professores que davam aulas a correr e pela rama, com o objectivo de os seus próprios alunos irem à procura deles, para lhes darem umas explicações pagas a peso de ouro nos cafés, quando se aproximavam os testes, as provas globais ou os exames finais. Se calhar não sabem disto. Claro que não sabem.
Amigo António França, caros professores, vocês pensam que têm um rei na barriga, assim como outros ramos privilegiados da função pública: médicos, magistrados, políticos e por aí fora. Vocês julgam-se superiores a qualquer cidadão, só porque têm um canudo na mão. Mas sabem também que há licenciaturas que mais parecem ser tiradas através de números premiados em concursos da Coca-cola ou da farinha Branca de Neve.
Vocês, senhores professores não passam de uns funcionários do estado cheios de regalias, de que o país não tira o devido proveito. Portugal não pode ver nos professores uma “mais valia”. Quanto dos elevados índices de iliteracia não são provocados pelos senhores professores, que não conseguem levar uma criança, induzir um adolescente, a gostar de escrever coisas bonitas, de recitar Camões ou compreender Pessoa.
Isso é que era bom. Tomara eu, tomara este país que os alunos portugueses que vão para a faculdade, soubessem escrever decentemente, quanto mais saberem quem é Kant, Descartes ou resolver problemas de trigonometria.
Sr. professor António França, não há qualquer tipo de inveja pelo facto da sua classe ganhar fortunas de vencimento. O que há, isso sim, é um sentimento de injustiça que se instala num país de 200 mil pessoas com fome, 2 milhões de cidadãos que vivem no limiar da pobreza e perto de 500 mil desempregados. Mas vocês professores pagos principescamente, não sabem disso. Vocês só olham para os vossos umbigos, só têm atenção nos vários escalões da vossa profissão e para os milhares de contos no topo de uma carreira (que é onde se encontra a maioria dos professores) tão fácil de alcançar. Caso contrário vocês não ficariam tão “fulos” com as mudanças da actual ministra da educação.
E o sentimento de injustiça que nós sentimos é tanto maior, quando somos confrontados com os crónicos e escandalosos insucessos escolares dos nossos alunos, nas nossas escolas. Vocês viram aquela pouca vergonha (ranking das escolas portuguesas) que veio publicada, creio que em Julho, em todos os jornais? Viram? Claro que não viram.
E agora de quem é a culpa desta calamidade no ensino. De quem é a culpa deste estado de coisas? É minha? É dos encarregados de educação que, (dizem vocês) fazem dos estabelecimentos de ensino autênticos depósitos de cachopos? Pois é, vocês que são dos professores mais bem pagos da Europa, o que queriam, para o ramalhete ficar mais completo, era que a educação de uma criança, ou de um adolescente, fosse feita em casa, no seio da família, para que a sombra de uma azinheira vos servisse de companheira. Espectáculo!
Meu caro amigo professor António França e senhores professores, as coisas no campo da educação estão pelas ruas da amargura, estão mesmo nas profundezas do Inferno e a culpa é vossa. É dos professores que julgam que trabalham como desalmados e afinal vai-se ver é um forrobodó de todo o tamanho, pago pelos impostos de todos os portugueses (incluindo aqueles hoje não professores, que vocês dizem terem andado a polir esquinas e a puxar o lustro das cadeiras dos cafés). Mas também dos sucessivos Ministérios da Educação, que de laxismo em laxismo, nunca tiveram coragem de dizer “alto e pára o baile” para mudar alguma coisa. Que é o que esta odiada, humilhada e insultada ministra está de facto a tentar fazer.
Vou terminar esta carta, amigo professor António França, perguntando aos senhores professores, o que pensam, o que é que vos passa pela cabeça, quando vêm na televisão a juventude a responder barbaridades a perguntas tão básicas como estas: Quem foi Salazar? O que se comemora nos dias 25 de Abril, 1 de Maio, 10 de Junho, 5 de Outubro ou 1 de Dezembro? Ainda há dias nas Palavras Cruzadas do Jornal de Notícias, foi dado D. Carlos como o último rei de Portugal. Vejam lá como isto anda.
E porque será que a cultura das nossas gentes assenta em pilares como “Floribela”, “Morangos com Açúcar”, futebol e telenovelas? Será só da televisão? Olhem que não, senhores professores, olhem que não.
Para terminar, em que ficamos? De quem é a culpa do insucesso escolar, de termos um aproveitamento ridículo ao nível do conhecimento? Deve ser do Zé, trolha de profissão, que trabalha de manhã à noite, que tem três filhos na escola e não tem tempo de lhes ensinar o AEIOU. Se calhar nem ele o sabe, porque os professores não lhe ensinaram.
Meu caro amigo e professor António França, termino esta carta aberta dizendo: enquanto não provarem o contrário, eu continuo a pensar que os professores, tendo em conta os resultados que as escolas vão apresentando, não merecem o ordenado que ganham. O tal ordenado que diz que a malta do norte tem inveja.
Aqui fica a minha opinião!