SE BEM ME LEMBRO!
Apesar de já ter sido velho, que foi quando vi e aprendi alguma coisa, e caminhar actualmente para uma juventude que se prevê ainda mais complicada que aquela que me acompanhou durante duas ou três décadas, não sou propriamente um saudosista. Não tenho o costume de passar a vida a olhar para trás. Se em termos políticos-sociais, gosto mais do hoje que do ontem, já em termos de vivências, passagens e paisagens penafidelenses, prefiro mais as de ontem que as de hoje.
Isto para chegar à eleição das “Maravilhas de Penafiel”, cujos resultados foram conhecidos há dias e que me fizeram recuar no tempo, ao encontro de usanças e andanças, que serão sempre capítulos de uma história de inesquecimento global.
Assim, sem mais delongas e de baixo para cima, temos que a sétima maravilha foi para o Tanque de Melres, no Cedro, onde noutros tempos, as mulheres da cidade se juntavam para lavar a roupa da semana anterior.
Às vezes, o tanque, que não é nada pequeno, não chegava para todas, tantas eram. Depois, aquilo era um pagode de palração a acompanhar a chinfrineira que faziam, quando batiam com a roupa na parte inclinada do tanque. Falava-se de tudo. Falava-se da vida alheia. Falava-se desta e daquela, quantas vezes de futebol a comentarem a jornada do dia anterior. Algumas línguas viperinas iam um pouco mais longe e envenenavam o ambiente de tal forma, que pouco faltava para cair “molho”. Mas ao fim da tarde, já os ânimos estavam serenados e a roupa que antes era suja, já exalava um odor a lavado e fresco.
O sexto lugar maravilhoso foi direitinho para o largo do Gravato, no início da rua Mário de Oliveira, onde nas décadas de cinquenta e sessenta se realizavam os bailes dos santos populares. Pelo Santo António, S. João e S. Pedro, não havia pé de pobre que não dançasse. Lembro-me muito bem de ver óptimos dançadores, como o Rui Campanera, o Gusto, a Teresa do Serafim, a Judite do Ceguinho, a Aida do Zé latoeiro, o Amorim, o Geraldo, o Álvaro “latas” e muitos mais. As músicas em altos decibéis vinham de um alto-falante colocado na esquina da dita rua que tem o nome do filho do Zeferino de Oliveira. Era um espectáculo vê-los dançar, rodopiar, saltar ao som de passe-dóbles, de valsas como a da “Meia-Noite”, ou ainda de tangos como o “Autocarro do Amor” do “Barnabé”, “Lá Comparsita”, “À Média Luz” ou o célebre tango dos Barbudos que começava com um tiroteio. Era bailarico até às tantas, refrescado por uma goladas de laranjadas e pirolitos.
A “Capelinha”, que fica na confluência das ruas Faião Soares e Sacramento, conquistou e muito bem o quinto lugar. E porquê?
Porque havia junto a esta capela do Senhor dos Passos, duas árvores que davam umas pequenas bolinhas muito vermelhas e saborosamente doces, que nos faziam subir e descer constantemente, quantas vezes cair. Ali também se jogava a “pincha” em três esteios de pedra (quais menires), que lá haviam. Jogava-se a botões. Quantas vezes nós íamos para casa com a carcela aberta e a segurar as calças com as mãos, porque os suspensórios (alças) não seguravam nada, já que tinham ficado sem um único botão.
A rua do Cedro também foi premiada. Obteve o quarto posto, o que até nem está mal, embora eu só tenha queixa desta estreitíssima rua. Quando lá íamos jogar futebol de pé descalço ou de chancas, pela equipa do colégio (da Sagrada Família), éramos sempre corridos à pedrada, quer ganhássemos ou perdêssemos. É de referir as antológicas tabelinhas que fazíamos com o muro da casa do Dr. Brandão. Se durante o jogo, normalmente haviam charutadas, rasteiras e garuladas, este acabava sempre com uma corrida de pedras. Então se a vitória fosse nossa, era o bom e o bonito. Só parávamos de fugir chegados ao quiosque na Misericórdia.
Quanto ao terceiro lugar alcançado pela Associação dos Caixeiros, no centro da cidade, foi uma agradável surpresa. A ela estão associados belos e inesquecíveis momentos de lazer aos domingos à tarde. A malta ia para lá jogar bilhar, jogar matraquilhos, quando havia dez ou quinze tostões disponíveis para tal. Ou então ouvir os relatos de futebol, do Porto, do Benfica e do Sporting. Quem não se lembra das vozes radiofónicas do Nuno Brás, do Amadeu José de Freitas, ou do Mário Cília? Eu lembro-me muito bem. Até me lembro da constituição de uma equipa do Porto, daquelas que fizeram com que o clube das Antas não “cheirasse” o campeonato durante 18 anos: Américo; Festa, Almeida Rolando e Atraca; Pavão e Gomes; Jaime, Djalma, Pinto e Nóbrega. O brasileiro Djalma, por cada dois golos que marcasse num só jogo, ganhava um televisor, oferta da Electrovisão.
O segundo lugar foi bem aplicado às ruas Abílio Miranda e Pedro Guedes. Foram a segunda maravilha de Penafiel por terem sido durante largos anos as nossa pistas para as corridas de carros de rolamentos.
Era a maluqueira da época. Nós, meia dúzia de putos daquele tempo, partíamos junto à casa do Dr.. Brandão, virávamos para a rua do “conde” da Aveleda e lá íamos por ali abaixo, passando pelas “Tiroliras”, imprimindo velocidade com as mãos no espiche, travando se fosse o caso, com os tacões dos sapatos, até ao cruzamento de Louredo. Não foram poucas as vezes em que tínhamos a “bófia” lá à nossa espera. Lá estavam de “mauser” à tiracolo, o Magalhães, o Sousa ou o Babo.
Se ao baixo era uma pressinha, porque todos os santos ajudavam, ao cima, era outra, a fugir da GNR, só que desta vez corríamos com os carros de rolamentos debaixo do braço. Era uma cansaço, mas era uma festa, refrescada com uns mergulhos na presa dos “planos”, leia-se Pelames, na rua com o mesmo nome.
E o primeiro lugar foi atribuído a quem? Quem foi que deitou os foguetes finais?
O primeiro lugar foi para...
Não foi. Não foi, porque o jardim da D. Cotinha não tinha os atributos necessários para alcançar tal desiderato.
Se tinha calçada à portuguesa, não tinha nenhuma palmeira. Se tinha escadaria, não tinha lago. Se tinha gatos nas janelas, não tinha pavões nas redondezas. E se tinha muitas flores, não tinha nenhum cruzeiro, por exemplo, aquele setecentista, que esteve em frente da Igreja da Matriz até à segunda metade do século XIX. Por isso...
Por isso, o primeiro prémio das maravilhas de Penafiel foi, assim sim, atribuído ao belo suporte da esplanada do Bar do Lago, no Sameiro, que está muitíssimo bem dentro de água. Decerto que nenhum Titanic se irá esbarrar contra aquele icebergue, uma vez que o local onde no passado se realizava o Baile do Lago, hoje não é navegável.
Houve ainda direito a menções honrosas, como por exemplo, e entre outras, as atribuídas ao: Domingos 33, ao Coelho da Tortas, ao Balcão do Cinema, aos leilões do Recreatório, às barbearias do Piróla e do Adolfo, às tascas da Sobreira, do Ernesto, do Serafim e do Gravato. Não esquecendo o Laurindo do Quiosque, a padaria da Corneta, o Fófa, o rancho do Quartel, o queijo amarelo da Sagrada Família, o Pinto Maneta, e mais. Trinta e uma ao todo.